quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Acidentes com eletricidade

Muito se fala sobre o perigo ao mexer na rede elétrica de energia, mas afinal, o que ela pode causar?


Dentre centenas de lesões, o contato do corpo humano com a eletricidade pode causar amputações, queimaduras de primeiro, segundo e terceiro grau, além de indiretamente poder causar esmagamentos e lesões traumato-ortopédicas. 

A epidemiologia das queimaduras causadas por eletricidade varia de 1,7 a 20,4% do total das etiologias presentes. Entretanto, esta é diferente de outras pelo fato de acometer estruturas profundas que são fontes de foco de infecção. As queimaduras por eletricidade possuem prognóstico reservado e alta morbidade. A prevenção deste tipo de queimadura é importante para diminuir sua incidência e sua morbi-mortalidade.

A queimadura elétrica é uma lesão ocasionada por uma corrente elétrica que passa pelos tecidos. Esta é parte dos adventos da sociedade moderna, causando lesões graves que afetam a qualidade de vida de vários pacientes. Estas lesões envolvem, geralmente, adultos jovens e contribuem por 1,7 a 20 por cento de todos os tipos de queimaduras1-5. As queimaduras elétricas diferem das outras etiologias de lesão térmica, com exceção das queimaduras ocasionadas por raio, por ter a tendência de acometer uma superfície corporal relativamente pequena, mas causando invariavelmente lesões em estruturas profundas6.

As lesões por eletricidade podem ser categorizadas em queimaduras tipo "flash", queimaduras em arco e queimaduras elétricas diretas ou verdadeiras. Cada uma delas possuindo sua característica clínica e prognóstico7. Estas lesões ocorrem no percurso da corrente entre os pontos de saída e de entrada. A voltagem e a amperagem são os fatores mais importantes que determinarão a extensão e a profundidade da lesão tecidual. Podemos diferenciar em queimadura de alta e baixa voltagem, tomando como ponto de corte os 1000 volts8.

As queimaduras de baixa tensão (abaixo de 1000 volts) ocorrem frequentemente no domicílio, acometendo crianças e, quando ocorre em adultos, está relacionada geralmente a acidentes de trabalho1,6. As lesões por alta voltagem (acima de 1000 volts) ocorrem em ambiente externo domiciliar, em jovens do sexo masculino, que entram em contato com linhas de alta tensão suspensas ou subterrâneas6. As causas das lesões neste segundo grupo são pessoas que realizam caminhadas, que vão colher ferro em depósitos de energia abandonados e que fazem ligações ilegais a linhas de transmissão para furtar energia1.

As lesões causadas por choques de alta tensão caracterizam-se por ser um tipo de lesão que constitui uma pequena proporção das lesões elétricas e que pode causar alta morbidade, quando comparada às lesões de baixa voltagem1,9.

A taxa de mortalidade de todas as queimaduras varia de 3 a 14%6. O trauma por alta voltagem envolve um espectro de injúrias, que variam desde lesões de partes moles e neuromusculares até aquelas potencialmente fatais, como parada respiratória por tetania muscular, fibrilação ventricular que pode levar a parada cardíaca e perda de consciência10. Devido a isso, as lesões causadas por alta tensão têm morbidade grave, resultando, às vezes, em amputações e reconstruções extensas envolvendo procedimentos múltiplos e complexos2,6.

Fatores que determinam a forma e a gravidade da lesão por eletricidade incluem amperagem, resistência do corpo no ponto de contato, tipo e magnitude no trajeto da corrente e duração do contato. A corrente elétrica que passa através dos tecidos transforma a energia elétrica em calor, isso explicado pela Lei de Joule. As Leis de Ohm e de Joule determinam a quantidade de calor produzido. A Lei de Ohm afirma que a corrente elétrica que atravessa os tecidos é determinada pela voltagem dividida pela resistência. A resistência dos tecidos aumenta progressivamente, indo do nervo para o sangue, vasos, músculo, pele, tendões, tecido adiposo e osso. O osso possui a maior resistência, que gera, dessa forma, mais calor quando comparado a outros tecidos. No entanto, a duração e a amperagem da corrente elétrica são os principais determinantes da lesão1,9.

O trajeto da corrente através do corpo é um determinante importante da extensão da lesão. Há pontos de entrada e saída, mas, às vezes, é impossível distingui-los. Quando a eletricidade passa através do tórax (mão para mão, mão para pé), considera-se uma lesão mais perigosa que quando comparada a lesões somente em membros, pelo fato da primeira atravessar a área cardíaca. O ponto de entrada mais comum é a mão e o ponto de saída, o pé. De acordo com a literatura, o ponto de entrada mais frequente é a mão, seguida pela cabeça1,8.

Na avaliação inicial, muitas lesões associadas podem existir, compreendem lesões ortopédicas, como fraturas de fêmur, cintura escapular e coluna cervical e luxações; lesões por explosão, como trauma abdominal e ruptura de membrana timpânica; problemas cognitivos, como distúrbios do sono, falta de memória, déficit de atenção, cefaleia, irritabilidade, inabilidade de argumentação; parestesias, depressão e espasmos musculares, lesões inalatórias, catarata, lesões gastrointestinais; como úlceras de estresse em duodeno ("úlcera de Curling"); insuficiência vascular, principalmente síndrome compartimental, disseminação intravascular disseminada; lesões neurológicas, distrofia simpática reflexa, lesões cardíacas e renais. É importante saber, quando a paciente é do sexo feminino, se ela está grávida9,11,12. Um estudo revelou que há uma taxa de mortalidade de 73% de morte fetal após gestantes terem sido acometidas por pequenas lesões elétricas13.

As lesões de baixa voltagem levam mais frequentemente a arritmia cardíaca que o grupo da alta voltagem. Entretanto, as lesões causadas por alta voltagem acarretam em mais tratamentos, que exigem procedimentos cirúrgicos invasivos (amputações, desbridamentos e enxertias), embolismo pulmonar, empiema de cotovelo e calcificação heterotópica2.

O desbridamento dos tecidos necróticos deve ser feito precocemente. Áreas bem delimitadas de tecido necrótico estão associadas aos pontos de entrada e saída e devem também ser observadas. A avaliação completa da lesão tecidual e da necrose vascular resultante de corrente elétrica é melhor realizada em 8 a 10 dias após ocorrido o incidente. As indicações para amputação são sinais de lesão tecidual profunda (membro não viável) ou foco séptico. Estes sinais são edema, alterações isquêmicas, perda motora ou sensorial, queimadura de terceiro grau através do trajeto da lesão sem evidência de queimadura por chamas na mesma área, deformidade em flexão persistente e foco infeccioso.

Se a extremidade é claramente não viável, a amputação deve ser feita no primeiro momento possível. O tempo da amputação é considerado precoce quando realizado em menos de 72 horas da admissão hospitalar2,6.

Apesar dos mais recentes desenvolvimentos no manejo clínico e cirúrgico do trauma elétrico de alta voltagem, este tipo de lesão continua a apresentar taxas elevadas de morbidade. Nas lesões de extremidades, a incidência de sequela neurológica e taxas de amputação podem alcançar 70%, ainda que técnicas de desbridamento e descompressão sejam utilizadas2,10. Consequentemente, somente 5% dos pacientes que sofrem trauma elétrico de alta voltagem (mais de 1000 volts) são aptos para retornar a seu trabalho10. As lesões elétricas têm alta morbidade e baixa mortalidade quando comparadas a outras etiologias de queimaduras. O custo médio da internação de um paciente queimado por eletricidade é de US$ 14.9012.

As maiores sequelas são limitação motora (dificuldade de caminhar e uso de próteses), lesões neurológicas permanentes (parestesias, paresias e tonturas) e o aspecto estético do paciente.

O problema na prevenção destas lesões é como ensinar e treinar as pessoas sobre os riscos potenciais de linhas de alta voltagem e adequar seu comportamento próximo destas áreas. Outro problema é a falta de sistemas elétricos subterrâneos com isolamento em países em desenvolvimento, onde a incidência destas lesões é elevada. Consequentemente, as pessoas devem ser alertadas das lesões que a eletricidade ocasiona por meio da mídia e de campanhas da prevenção.

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